O Projeto de Lei 2.703 de 2022 (íntegra – 101 KB), apresentado recentemente pelo deputado Celso Russomano (Republicanos-SP), retomou a guerra santa entre distribuidoras de energia e empreendedores de GD (geração distribuída). A batalha se formou novamente em torno dos enormes subsídios cruzados que as tarifas de eletricidade carregam. O armistício entre as partes havia sido assinado em 2021, quando da aprovação do Marco Legal da Geração Distribuída (Lei 14.300 de 2022), que contou com a anuência da Aneel e festiva solenidade no Congresso Nacional.
Agora, a paz foi rompida pelos empreendedores de GD, a partir da apresentação do projeto de lei de Russomano. A Aneel também reagiu à tentativa de aumentar a conta da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) –mecanismo contábil onde são registrados deficits para repasses às tarifas de eletricidade– publicando nota técnica sobre o volume dos novos subsídios envolvidos na transação e o lançamento do sugestivo subsidiômetro, que já registrou R$ 2,2 bilhões em benefícios concedidos aos empreendedores de geração distribuída.
O novo projeto de lei amplia o prazo para a concessão de subsídios à GD nas tarifas elétricas. Os argumentos usados pelos representantes desta facção setorial para justificar o PL 2.703 de 2022 foi o suposto boicote das distribuidoras ao cumprimento de prazos para implantação dos projetos de GD e a demora da Aneel em regulamentar os diversos aspectos da matéria previstos no Marco Legal da Geração Distribuída.
Evidentemente, a ampliação do prazo para os descontos, pretendido pelos empreendedores de GD, permitirá que a rentável indústria de fabricação, instalação e projeto de painéis solares crie fazendas de energia solar. Assim conseguindo migrar consumidores do mercado cativo para o mercado livre, com subsídios pagos pelos consumidores pobres, em favor dos ricos.
A Aneel, por sua vez, quantificou em R$ 5,4 bilhões os subsídios envolvidos na Lei nº 14.300 –cálculo que considera só o ano de 2023. A Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica) se manifestou afirmando em carta aberta aos congressistas que a nova medida trará um custo extra de R$ 80,5 bilhões às tarifas dos demais consumidores.
As contas ainda não foram refeitas com as alterações feitas ao projeto de lei original aprovado na Câmara dos Deputados, em 6 de dezembro, mas as primeiras estimativas das distribuidoras publicadas pela Agência Infra indicam um “impacto de R$ 118 bilhões de 2023 a 2045, com a ideia de caracterizar PCH (pequena central hidrelétrica) como GD (geração distribuída) até 30 MW, tendo impacto de R$ 56 bilhões, onerando a conta dos consumidores cativos”. O valor real a ser pago pelos consumidores cativos em subsídios aos empreendedores de GD depende agora do desfecho da matéria no Senado, onde pode ser aprovado com alterações que, inclusive, ampliem o montante.
Com a ressalva de que a geração distribuída é altamente benéfica ao sistema elétrico e que a indústria fotovoltaica é muito bem-vinda ao país, registra-se, porém, que os subsídios já concedidos à GD cumpriram o papel histórico de permitir a capacitação tecnológica na instalação de um parque de produtos e serviços na modalidade. Portanto, o que precisa mudar é o modelo comercial monopolista da modalidade da GD, em especial na baixa tensão, onde estão localizados mais de 80 milhões de consumidores residenciais.
Implantado pela Resolução Aneel n° 482, de 2012, e referendado pelo Marco Legal da Geração Distribuída, o modelo comercial da geração distribuída permite que os consumidores com demanda mensal abaixo de 500 KW, inclusive os residenciais de baixa tensão, migrem para o mercado de subsidiados da geração distribuída. As regras atuais do setor, entretanto, vedam que os mesmos consumidores adquiram energia de outros geradores no ACL (Ambiente de Livre Contratação). A simples abertura do mercado livre a todos os consumidores criaria uma pressão competitiva em favor da população e em desfavor da reserva de mercado que os empresários de geração distribuída têm.
A Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia) quantificou o valor do subsídio entre as duas alternativas, concluindo que, se considerarmos só a alta tensão e se todos os consumidores que não podem optar pelo mercado livre migrassem por meio da GD (4 GW médios de carga), o impacto seria de R$ 15,50/MWh em subsídios para o consumidor cativo remanescente. Já a migração ao mercado livre por meio de outras fontes teria o impacto de R$ 2,80/MWh, ou seja, 1/5 do valor do subsídio.
Fica claro, assim, que uma das principais soluções estruturais para a guerra santa entre a indústria de GD e as distribuidoras é a abertura total do mercado elétrico à competição, com benefícios claros e quantificáveis aos consumidores. Sistematicamente combatida pelas distribuidoras, e protelada pelo Ministério de Minas e Energia e pela Aneel ao longo dos anos, a medida se torna cada dia mais urgente.
Fonte:poder360
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