Considerada uma das principais promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro, em setembro do ano passado foi lançado o Plano Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), uma das apostas da atual gestão do Ministério da Educação (MEC), em parceria com o Ministério da Defesa.
A intenção é implementar o modelo cívico-militar em 216 escolas de todo o país até 2023, sendo 54 por ano, os militares atuarão como monitores em três áreas: educacional, didático-pedagógica e administrativa.
Somente esse ano, serão gastos R$ 54 milhões para implementação do projeto, do qual cada escola receberá R$ 1 milhão para melhorias e adequações em infraestrutura. Diferentes das escolas militares, as cívico-militares são instituições públicas comuns em que a gestão administrativa e de conduta são responsabilidade de militares ou profissionais da área de segurança, enquanto que a gestão pedagógica fica sob a responsabilidade de pedagogos e profissionais de Educação.
Segundo o MEC, 15 estados e o Distrito Federal aderiram ao programa, que é voluntário. Para isso, as escolas devem obedecer a critérios como situação de vulnerabilidade social e baixo desempenho no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), atender de 500 a 1.000 alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e/ou médio e aplicar uma consulta pública à comunidade sobre o modelo. Inspirado em colégios militares, o assunto levantou um grande debate entre especialistas em educação, principalmente após diversas declarações de apoio de Jair Bolsonaro à expansão de escolas militares e cívico-militares.
Conheça quais são os argumentos de especialistas a favor e contra o modelo:
SIM
O bom desempenho em avaliações nacionais Um dos principais argumentos dos que defendem a militarização das escolas civis, é o resultado obtido pelos alunos do sistema em concursos diversos, sejam eles para os concursos das escolas militares de nível médio e superior, ou para universidades (ENEM e vestibulares). Essas instituições se destacam na média nacional no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), com nota 7 para alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, enquanto a média nacional das escolas públicas fica em 4,9 para a mesma etapa de ensino. Regras rígidas Diferente das escolas comuns, o modelo prevê que o comportamento dos alunos será avaliado e classificado em forma de nota.
Os estudantes também terão o uso obrigatório de uniformes específicos com padrão militar, que serão fornecidos pelo governo de cada estado. As meninas devem usar cabelos curtos ou longos, desde que presos com penteados em trança simples ou rabo de cavalo. As saias, que fazem parte do uniforme, deverão ter comprimento na altura dos joelhos. Já os meninos devem sempre estar de cabelos curtos, cortados "de modo a manter nítidos os contornos junto às orelhas e o pescoço", além de se apresentarem bem barbeados.
Currículo escolar
Segundo dados divulgados pelo Ministério da Educação, as escolas cívico-militares têm uma taxa de abono escolar de 77% menor, a reprovação dos alunos é 37,4% menor, além dos alunos que estudam na idade certa, que é 50% maior. Já a avaliação do Ideb, que mede qualidade do ensino é 20% maior.
No Paraná, estado que mais aderiu ao modelo com cerca de 216 colégios em 117 cidades, os estudantes vão passar a ter uma sexta aula para reforço de matemática, de português e estudo da Constituição Federal, além de bases do direito, cidadania e educação financeira. Professores da rede estadual continuam dando aula nesses colégios, que não terão professores militares. Um dos principais atrativos é a proposta pedagógica, que tem como objetivo entregar um ensino de qualidade, preparando o aluno para a vida em sociedade, formando cidadãos críticos que atuem com ética, cidadania e guiados por valores.
Gestão compartilhada
As escolas cívico-militares contam com uma gestão compartilhada, em que militares e diretores pedagógicos atuam de maneira colaborativa na gestão administrativa e didático-pedagógica do colégio.
No Paraná, por exemplo, dois diretores passarão a comandar a escola: um civil, que vai cuidar da parte pedagógica, e um militar da reserva para tratar de questões como disciplina e hierarquia. Ambos gestores foram escolhidos pela Secretaria de Estado da Educação (Seed), sem participação da comunidade escolar na escolha.
Com isso, deve haver diálogo entre ambos os diretores, buscando ações conjuntas que possam aprimorar as práticas educativas da escola na formação integral do aluno.
No Paraná, por exemplo, dois diretores passarão a comandar a escola: um civil, que vai cuidar da parte pedagógica, e um militar da reserva para tratar de questões como disciplina e hierarquia. Ambos gestores foram escolhidos pela Secretaria de Estado da Educação (Seed), sem participação da comunidade escolar na escolha.
Com isso, deve haver diálogo entre ambos os diretores, buscando ações conjuntas que possam aprimorar as práticas educativas da escola na formação integral do aluno. A orientação disciplinar deve ser mais rígida, mas não tão severa quanto nos colégios do Exército, por exemplo.
Maior segurança
As escolas terão também monitores militares participando da rotina escolar. Serão de três a cinco policiais da reserva, a depender do tamanho do colégio. Com isso, os militares atuarão, em colaboração, nas áreas de gestão escolar e gestão educacional, a fim de contribuir com a melhoria do ambiente escolar. Vale lembrar que esse modelo não irá formar militares ou militarizar os alunos, o principal objetivo é contribuir com a qualidade do ensino na educação básica, além de propiciar aos alunos, professores e funcionários um lugar mais seguro com foco na melhoria do ambiente e da convivência escolar.
NÃO
Exclusão de minorias e diversidade. Com a implementação desse modelo, os alunos e professores que não se adaptarem terão que buscar uma nova unidade escolar. Exemplo são os estudantes que têm dificuldade de aprendizado e necessitam de maior atenção, com o baixo desempenho a avaliação do colégio também cai, e para isso não acontecer, são obrigados a se transferirem, algumas vezes até para longe de suas residências. O mesmo vale para a Educação de Jovens e Adultos, o EJA.
Outro fator importante, é a perda de identidade com as regras impostas. Por terem que usar uniforme e cortes de cabelos específicos, além de precisarem seguir comportamentos da cultura militar, os estudantes passam por uma padronização e perdem totalmente as características que os identificam. Levando em consideração a diversidade étnico-racial que existe no Brasil, esses alunos deixariam de ser quem são para continuarem no colégio ou serão obrigados a buscar outra unidade escolar. Notoriamente a militarização costuma homogeneizar todos os seus membros, retirando deles a individualidade e a capacidade de autodesenvolvimento.
Esse modelo de escola não atende a diversidade, quem não tem o perfil ou não se adaptar será convidado a sair da escola. Censura, não formam cidadãos críticos Alguns educadores de colégios militares relatam censura de alguns assuntos em sala de aula. Entre os temas que não podem ser pautados pelos professores, estão homofobia, racismo, feminismo, além de algumas questões políticas. Por conta das escolas cívico-militares serem inspiradas nesse modelo, os educadores que irão passar pela mudança temem sofrer por essa censura também, e assim não formarem seus alunos cidadãos críticos em determinadas situações.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, o Art. 205 diz que "a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Seguindo a lei, nenhum assunto deveria ser restrito, levando em consideração que a formação nas escolas visa formar cidadãos críticos. Investimento Para se tornarem cívico-militares, as escolas passaram por melhoria de infraestrutura, compra de material escolar, reformas, além de outras intervenções.
Com isso, o Ministério da Educação (MEC) irá investir dinheiro, que poderia ser encaminhado para a melhoria das escolas públicas. Se a verba que está sendo investida neste novo modelo fosse mandada para as escolas públicas, seria possível melhorar a infraestrutura, reduzir o número de alunos por sala, aumentar os salários dos professores e a capacidade de atrair os melhores educadores e, consequentemente, melhorar a qualidade da educação. Existe uma relação direta entre investimentos e qualidade: quanto mais recursos, maior é a nota obtida no Ideb.
Outro fator defendido é que essas escolas supostamente reduziriam a violência. Porém, os colégios onde não existem índices de violência apontam outro caminho, como: muros baixos, políticas de diálogo, participação da comunidade nos finais de semana. O oposto do que vem sendo imposto pelo atual governo.
O modelo civil-militar não é a única solução para melhorar a educação no Brasil, existem diversos modelos que podem ser implantados, como escolas em período integral ou contraturno escolar com cursos e aulas diferenciadas. Comparação de ambos os modelos Não dá para comprar uma escola militar com uma escola civil comum, mesmo que o novo modelo seja inspirado em tal.
Nos colégios militares, os professores recebem salário que passam de R$ 10 mil, e as unidades possuem diferentes laboratórios, como de química e robótica, quadras poliesportiva e piscina. Vale lembrar que a maior parte dos alunos nessas instituições são filhos de militares que querem seguir na carreira. As famílias desses colégios militares também podem contribuir com um valor mensal que varia entre R$ 100 e R$ 300, e devem pagar pelo fardamento dos alunos, que custa em torno de R$ 600. Os civis interessados em ingressar nas instituições são submetidos a uma prova, que seleciona os alunos que obtiverem as notas mais altas.
Além disso, os alunos de ambas escolas são diferentes. Nos colégios militares são focados em filhos de militares, que na maioria das vezes são de classe média ou altas. Já nas escolas civis, que atendem mais de 80% dos alunos do ensino fundamental e médio da rede pública em todo o país, os estudantes são em sua maioria de classe baixa e vivem em condições totalmente diferentes, o que afeta os estudos.
Profissionais não preparados para educação
Outro ponto importante é a formação adequada para os profissionais da educação. Segundo o artigo 62, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB, "A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal".
Além disso, a LDB também define no art. 67 as condições para que esses profissionais exerçam outras funções na área da educação, como "a experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino" e "são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico".
Porém, em 2019, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 101/2019, que estendeu aos militares o direito à acumulação de cargos públicos prevista no art. 37, inciso XVI, da Constituição. O citado inciso, proibia a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto "a) a de dois cargos de professor b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico ou c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas". Essa tem sido a principal justificativa para os militares da reserva, aposentados ou da ativa atuarem na gestão administrativa, disciplinar e administrativa-pedagógica das escolas públicas civis.
uol.com.br
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