Artigo de Malu Nunes, engenheira florestal, mestre em Conservação e diretora-executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
Relegado historicamente a um papel coadjuvante e a trechos mais genéricos nos planos de governo dos candidatos, o meio ambiente cada vez mais começa a ser visto como uma temática importante e essencial das discussões políticas das cidades. Afinal de contas, o momento único pelo qual o mundo está passando é justamente o resultado do descaso com a natureza, em especial a fragmentação de ambientes naturais, que empurrou a vida selvagem em direção aos centros urbanos, colocando pessoas em contato com uma doença zoonótica sobre a qual a ciência não tinha conhecimento. Em resumo, a pandemia do novo coronavírus, em boa parte, é o produto global da ausência de políticas públicas ambientais em nível local.
No Brasil, as eleições municipais deste ano foram – e em algumas cidades ainda são – a oportunidade ideal para discutir como prefeitos e vereadores podem exercer seu poder político nos territórios para enfrentar problemas cujas soluções são encontradas na natureza. Pode não parecer claro à primeira vista, mas proteger o meio ambiente é melhorar a qualidade de vida das pessoas, é reduzir gastos com o sistema de saúde, é acabar com enchentes e estiagens, é promover atividades geradoras de emprego e renda como o turismo, é otimizar a produção de alimentos e é garantir a segurança hídrica para todos e todas.
Políticas públicas de meio ambiente são, por definição, transversais. Ao agirem sobre uma territorialidade, elas impactam tudo o que se conecta com aquele local e ajuda a melhorar diversos aspectos da vida em sociedade. Nas cidades, uma das maneiras mais efetivas de promover essas ações é por meio das Soluções baseadas na Natureza (SbN).
Segundo o censo demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 84% das pessoas no Brasil vivem em áreas urbanas, muitas das quais perderam suas características de ambientes naturais ao longo dos anos. O crescimento das cidades, na maioria das vezes, não foi planejado e se deu à margem dos principais rios. A malha urbana transformou paisagens, canalizando cursos d’água e destruindo a vegetação nativa. As consequências são as que vemos constantemente no noticiário: inundações, escassez de água, ilhas de calor e o comprometimento da segurança das pessoas e da infraestrutura urbana.
As SbNs são ações que utilizam processos e ecossistemas naturais para enfrentar desafios urgentes do nosso tempo, como o risco da falta de água e os impactos de eventos climáticos extremos (enchentes e deslizamentos). Trata-se de uma abordagem de gestão de recursos naturais que gera benefícios para a biodiversidade ao mesmo tempo em que promove soluções para o desenvolvimento socioeconômico e o bem-estar humano. No entanto, são poucos ainda os governantes que investem em SbN.
A partir de 2021, porém, com novos ocupantes nas prefeituras país afora, é preciso que a sociedade traga essas questões à tona e demande que elas estejam presentes nos projetos de desenvolvimento das cidades. Nos municípios maiores, por exemplo, que sofrem com a questão da mobilidade urbana, deve-se cobrar dos prefeitos o que pretendem fazer para reduzir distâncias e estimular uma frota de veículos menos poluentes. Nas áreas rurais, é necessário questionar o que será feito para o incentivo de práticas sustentáveis de agricultura e a eliminação do uso de agrotóxicos. Nas localidades litorâneas, é importante que se exija da administração pública como serão feitas as ações de controle do avanço do nível do mar e de ressacas cada vez mais intensas.
E não é só isso. Prefeitos no Brasil todo precisam explicar a seus munícipes de que forma irão expandir as áreas verdes nas cidades. Em muitos lugares do mundo, os parques lineares têm despontado como opção mais viável. São áreas naturais protegidas localizadas às margens de rios, que conservam a infraestrutura urbana, evitando inundações e enchentes. A permeabilidade do solo reduz a velocidade de escoamento superficial, permitindo que a água da chuva possa se infiltrar no solo. Desta forma, protegem a vida humana e oferecem qualidade de vida, com espaço para que a população possa viver em contato e harmonia com a natureza. Além disso, os parques lineares também servem como refúgio para a biodiversidade urbana, assim como área de descanso para espécies em processo migratório.
Algumas cidades já se destacam. Curitiba, por exemplo, desde 1970 investe em parques que possibilitam o armazenamento da água da chuva – uma solução viável técnica, econômica e ambientalmente. Foi nesse contexto que o primeiro parque com esse objetivo foi criado – o Parque Barigui, o mais visitado da cidade. Já Campinas, no interior paulista, criou o programa de Parques Lineares, desenvolvido no âmbito do Plano Municipal do Verde de Campinas, de 2016, que após diversas análises, identificou o Déficit de Áreas Verdes Sociais do Município e propôs minimizá-lo por meio da implantação de 49 trechos de parques lineares.
Exemplos de um Brasil mais verde e com cidades mais sustentáveis já existem. É preciso agora que eles se multipliquem por todo o país, o que só será possível com o empenho do poder público municipal.
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